07 abril 2008

Cuspe à distância ganha multa, não medalha


Rodrigo Bertolotto
Em Pequim

O conhecido soneto diz que “o beijo é a véspera do escarro”, mas na China é o contrário: é possível ver uma senhorita salivando na rua para depois roçar seu lábio em outro qualquer. E os chineses se afeiçoaram tanto ao catarro que o chamam de “suco de jade”, em uma metáfora digna do poeta Augusto dos Anjos (1884-1914), autor do verso aí de cima.
Olha que o jade é mais valorizado que o ouro na civilização de 4.000 anos – um exemplo: o souvenir mais caro nas lojinhas de produtos licenciados de Pequim-2008 é justamente uma estatueta dessa pedra semipreciosa. A gema também ganhou espaço nas medalhas que serão distribuídas para quem subir no pódio desta Olimpíada, em combinações com os tradicionais metais ouro, prata e bronze dos vencedores.

“Se o Leonardo Di Caprio pode cuspir em um filme ou o David Beckham pode cuspir durante as partidas, por que nós não podemos?”, argumenta o senhor pequinês Chen Chi quando perguntado sobre o hábito que acabara que repetir na cêntrica rua de Wangfujin. A crença local, baseada na medicina tradicional chinesa, é que você tem que eliminar tudo o que é ruim que está no corpo e se a pessoa engolir muco estaria alimentando vermes na barriga.

O governo de Pequim tenta de qualquer forma erradicar os torpedos viscosos, seja instituindo “O Dia sem Cuspir” ou criando multas para infratores (o valor é de R$ 10), tudo para não ficar mal com os visitantes olímpicos do próximo mês de agosto.
As campanhas, porém, começaram em 2003 por outro motivo. À época, uma epidemia de Sars (síndrome respiratória aguda) vitimava pessoas por lá. Quando o surto passou, o costume punk foi retomado com tudo, mesmo com o slogan da campanha (“Cuspir mata mais que uma bomba atômica”).

O ato da catarrada é complexo e pode ser ouvido à distância. O prenúncio vem do nariz: uma puxada de ranho. Na sequência é a vez de um barulho de raspagem da garganta. E no finalmente lá vai o jato. Os mais certeiros miram em ralos, bueiros e saídas de ar do metrô. Os de menor pontaria mandam em qualquer lugar no piso.

“Precisamos de um comportamento mais higiênico e vamos promover um estilo de vida mais civilizado”, afirmou Liu Ying, secretária de Saúde da prefeitura de Pequim. “Queremos que as pessoas parem de cuspir nas ruas e passem a usar lenços e sacos plásticos para eliminar sua saliva”, completou Ying.

A etiqueta ganhou até um índice estatístico. Segundo informe da agência de notícia chinesa Xinhua, a Universidade Renmin fez um levantamento nos últimos três anos para mostrar que os chineses estão sendo abandonados.

Segundo a pesquisa, apenas 2,5% dos pequineses cuspiram na rua em 2007, contra 4,9% em 2006. Já outro hábito condenável também foi contabilizado: somente 1,5% furou fila na capital chinesa em 2007, contra 6% no ano anterior. Não é o que se vê pelas ruas.

Os nacionalistas apontam que fazer os chineses pararem de cuspir é um ato de imperialismo como foi no passado ensinar o cristianismo para crianças da África. Já os novos-ricos de Pequim, que adotaram o modo de vida ocidental "cuspido e escarrado”, apontam os camponeses que migram para a capital como os responsáveis por essa mancha pública. Quando o assunto é cuspe na China, até política internacional e conflito de classes sociais entram no mesmo tacho.

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